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COLLOQUES


LE CORPS ET SES TRADUCTIONS / O CORPO E SUAS TRADUÇÕES
A tradução como exorcismo do corpo na escrita bilíngüe de Samuel Beckett

Chiara Montini - Universidade de Provence.


1


“A tarefa de um escritor – não de um artista, mas de um escritor – é a de traduzir3”, escreve Beckett citando Proust em seu ensaio dedicado ao autor da Recherche. O apartado “não de um artista, de um escritor”, foi acrescentado pelo autor e auto-tradutor irlandês.
É portanto a linguagem que distingue o escritor do artista, pois ela traduz suas percepções sensoriais em sua língua. E para que a obra seja original, a linguagem necessita ser codificada por sua vez pelo escritor que inventa seu “código individual e único, o que os lingüistas chamam de idioleto4”.
A instituição de um código anterior à criação do verdadeiro corpo do texto é a terceira entre as cinco fases do trabalho criativo tal como o definiu Anzieu em seu excelente ensaio Le corps de l’œuvre. Essa terceira fase ocorre após a “impulsão criativa” (a inspiração) e a “tomada de consciência de representantes psíquicos inconscientes” (uma espécie de revelação sensorial, o “eu fixo os delírios” de Rimbaud). Quando o escritor consegue organizar essas duas fases – que provêem uma do inconsciente e a outra do preconsciente – em seu Ego consciente, ele passa de um conjunto mental de imagens à abstração (que pode ser a fórmula científica) e cria então seu código para o qual ele deve prover um material que constituirá o corpo da obra5.“Ao escolher um código que vai organizar a obra de agora em diante em projeto, o criador reintroduz o Superego no circuito do trabalho psíquico da criação6.”
Beckett começa primeiro por escrever em inglês, numa espécie de unilingüismo poliglota, na medida em que sua língua é recamada de línguas estrangeiras, mas em seguida, e é o momento em que sua obra se torna realmente original e inovadora, ele passa para o francês (língua que lhe é estrangeira) e empreende sua atividade infatigável de auto-tradutor.
Minha sugestão consiste em mostrar aqui como essas duas passagens (da língua materna à língua estrangeira e à tradução) permitem a Beckett modificar o código e o corpo do texto, engajando cada vez mais a instância do Superego (na medida em que a tradução diz respeito ao interditado), mas se desembaraçando do lado mais instintivo ligado à língua dita “materna7”. Assim mudando de língua e pondo a língua materna à distancia pelo viés da tradução, Beckett se coloca como observador, critico e censor, pois ele pode deste modo por à distancia a sua “vivência corporal” mais dolorosa. É nesse momento que seu estilo se modifica e que o corpo (do texto, mas também do autor-tradutor) é de certa maneira afastado (apesar de onipresente) pelo viés da ironia, da citação e da tradução. Poder-se-ia acrescentar que, se como pretende Anzieu, o próprio do estilo é de “recuperar o corpo na letra” e se ele “permitir […] realizar o desejo, inscrever no texto as vivências corporais8”, a tradução numa outra língua modifica as representações do corpo (pois ela está mais distante do universo sensível).
Sabemos que a tradução é fundada sobre o caráter arbitrário e bipolar do signo lingüístico e portanto sobre a tensão de dois vetores funcionais, no sentido em que só o significado é transmissível nas línguas e de certo modo nos sistemas semióticos diferentes através de novos significantes, na base do principio da não-equivalência total das mensagens em diferentes códigos. A tradução é portanto um desvio, uma traição e quando Beckett se traduz, o estilo transforma-se em desvio: desvio do significante, desvio do código, desvio da norma, desvio entre as línguas, desvio entre os corpos dos dois textos e o corpo ante litteram. Para fundamentar esse resumo abstrato e teórico nos textos, darei alguns exemplos significativos. Mostrarei em primeiro lugar o conflito “corpo-espírito” que caracteriza a escrita unilíngüe (mas poliglota) do jovem Beckett, para em seguida ilustrar as modificações do corpo e do corpo do texto nas suas traduções.

Um corpo e um espírito: Murphy


Beckett escreveu Murphy aos trinta anos, numa época em que ele estava completamente seguro de seu desejo de tornar-se um escritor sem por isso saber exatamente que direção tomar. Nessa época, ele começava entretanto a refletir nas modalidades da tradução, e uma das personagens secundárias do romance, Mr. Cooper, é “um servidor de dois mestres” (“servant of two masters”), como o tradutor. Trata-se aliás do primeiro romance que Beckett vai traduzir do inglês para o francês e portanto de seu primeiro texto bilíngüe importante. Murphy representa o alter ego de Beckett: um jovem incapaz de se assumir, aparentemente ambicioso (mesmo se suas ambições permanecem no estado de idéias informes). Eis um curto resumo…
Murphy é levado por sua amante Célia, uma antiga prostituta, a procurar trabalho. Ele encontra finalmente o que ele quer quando é contratado por uma clinica para doentes mentais. O contato com os loucos e em particular com M. Endon (em grego: interior) fazem-no esquecer o mundo exterior e portanto também Célia. Ele acaba morrendo das conseqüências de um estranho acidente e suas cinzas serão pisadas pelos pés dos transeúntes, de maneira que “o corpo, o espírito e a alma de Murphy estavam livremente distribuídos no chão9”.


No capítulo VI, o único do romance a levar um título, Amor intellectualis quo Murphy se ipsum amat, encontramos a teorização da relação de Murphy a seu espírito e a seu corpo. O título, em que o nome de Murphy substitui o de Deus na citação de Spinoza, é significativo do desejo de submeter o corpo ao espírito, manifestação primeira do narcisismo do herói:

L’esprit de Murphy s’imaginait comme une grande sphère creuse, fermée hermétiquement à l’univers extérieur. […] Cela n’entraînait pas Murphy dans le goudron idéaliste. Il y avait le fait mental et il y avait le fait physique. […] La distinction qu’il faisait entre les présences en acte et les présences en puissance de son esprit, il la faisait non pas entre ce qui avait de la forme et ce qui informément y tendait, mais entre ce dont il avait une expérience et mentale et physique et ce dont il avait une expérience mentale seulement. Ainsi la forme de coup de pied était présente en acte, celle de caresse en puissance. […] Il était persuadé qu’il n’y avait pas d’action directe entre les deux [corps et esprit]. […] Quoi qu’il en fût, Murphy était prêt à accepter cette congruence partielle entre le monde de son esprit et celui de son corps comme résultant d’une détermination surnaturelle quelconque. Le problème n’avait pas beaucoup d’intérêt. Il était prêt à accepter toute explication qui ne jurât pas avec le sentiment, de plus en plus fort à mesure qu’il vieillissait, que son esprit était clos, un désordre clos, sujet à nul principe de changement sauf au sien, suffisant en soi et imperméable aux vicissitudes du corps. […] Son corps se couchait de plus en plus, dans une suspension moins précaire que celle du sommeil, pour sa propre commodité et pour que l’esprit se mût10. [Eu sublinho]

Murphy’s mind pictured itself as a large hollow sphere, hermetically closed to the universe without. […] This did not involved Murphy in the idealist tar. There was the mental fact and there was the physical fact […]. He distinguishes between the actual and the virtual of his mind, not as between form and the formless yearning for form, but as between that of which he had both mental and physical experience and that of which he had mental experience only. Thus the form of a kick was actual, that of caress virtual. […] He was satisfied that neither [physical experience and mental experience] followed from the other. […] However that might be, Murphy was content to accept this partial congruence of the world of his mind with the world of his body as due to some such process of supernatural determination. The problem was of little interest. Any solution would do that did not clash with the feeling, growing stronger as Murphy grew older, that his mind was a closed system, subject to no principle of change but its own, self-sufficient and impermeable to the vicissitudes of the body. […] His body lay down more and more in a less precarious abeyance than that of sleep, for its own convenience and so that the mind might move11.



Sem renegar o corpo, que está aí, Murphy deseja que ele deixe em paz o espírito quando se deita “numa suspensão menos precária que a do sono”.
Temos uma amostra do estilo de Murphy: verboso, rico em citações em línguas estrangeiras, quase barroco e extremamente cuidado. A narração se desenvolve de maneira principalmente tradicional, pelo menos comparada à das obras seguintes. Tradicional pois existe um narrador onisciente, um herói e outras personagens a sua volta, uma estória, um começo e um fim. Poder-se-ia dizer que Beckett ainda se apega aos códigos lingüisticos e genéricos, mesmo se não hesita em caricaturá-los. Nesse capítulo, por exemplo, o autor imita o estilo filosófico, utilizando o modo didático, mas insere, sem ironia, toques que contrastam com esse estilo “neutro”: “o asfalto idealista”, ou ainda o exemplo da “forma do pontapé em ato” e da “caricia em potência” que pasticham Aristóteles. Ele mistura assim um registro familiar, no que diz respeito ao corpo humano, e um outro mais espritual, de ordem filosófica. Isso permite destacar toda a ironia do trecho, mas também a procura do estilo que se modifica segundo o conteúdo e que se modificará ainda na tradução.
Cito aqui a versão francesa – que ele traduziu com a ajuda de Alfred Perón –, pois os dois textos permanecem próximos um do outro, exceto no momento em que o texto francês acrescenta “uma desordem fechada” falando do espírito:

Il était prêt à accepter toute explication qui ne jurât pas avec le sentiment, de plus en plus fort à mesure qu’il vieillissait, que son esprit était clos, un désordre clos, sujet à nul principe de changement sauf au sien, suffisant en soi et imperméable aux vicissitudes du corps12. [Eu sublinho]


Essa insistência na desordem fechada do espírito em sua tradução é evocadora dos lugares fechados em que as personagens narradoras da obra bilíngüe francófona serao enclausuradas, como fazendo abstração do corpo (que domina assim mesmo). É a passagem verdadeira à tradução.
Assim, Murphy, que é uma das últimas personagens do universo ficcional beckettiano dotado de um corpo que imaginamos hábil, se faz porta-voz da passagem que ocorrerá na escrita em francês. O pequeno acréscimo na tradução alude então ao corpo do texto por vir, ao universo fechado da ficção beckettiana em francês. A morte de Murphy depois da qual “o corpo, o espírito e a alma de Murphy estavam livremente distribuídos no chão” representa ironicamente a união do corpo e do espírito depois da morte teorizada pela religião cristã (graças à parúsia). Mas ela marca da mesma forma a passagem a uma relação diferente entre corpo e espírito na qual este último pode exorcizar a presença do corpo falando dele numa língua estrangeira e por isso mesmo mais distante da vivência corporal.

Um corpo “deficiente”


Em 1938, ano em que termina a redação de Murphy, Beckett escreve um ensaio de conteúdo filosófico e carregado de ironia mordaz, sobre a figura do artista. O título desse ensaio, Les deux besoins [As duas necessidades], é significativo pois, ao mesmo tempo que fala num jargão filosófico-acadêmico-irônico da distinção do artista, ele se refere explicitamente às duas necessidades corporais. Esse ensaio é também um dos primeiros textos em francês e é aqui que elogiando a arte, Beckett marca a apoteose das duas necessidades primárias do homem. É uma maneira de se afastar da pretensão narcisista de Murphy que queria ser só espírito, é também uma maneira de teorizar sua nova concepção do corpo pelo viés da tradução.
A partir de Watt, romance que marca a transição do inglês para o francês, os corpos dos protagonistas terão sempre um defeito, e seus defeitos se tornarão cada vez mais graves. O próprio Watt é um aborto pois, como Larry no decurso de uma refeição, ele sai do “woom” (“womb”) em inglês que se transforma em “ma trice” (“matrice”, matriz) em francês. A incapacidade da mãe a pronunciar corretamente essa palavra é sintomática da sua recusa em dar à luz a um filho do qual ela corta o cordão com os dentes13. Assim, se Watt, o protagonista epônimo do ultimo romance anglófono de Beckett, malogra seu nascimento, ele engendra personagens francófonos (ele conheceu o primeiro par francófono, Mercier e Camier “no berço”, diz ele). Essas personagens narradoras (exceto Mercier e Camier que têem ainda o direito a um narrador aparentemente extradiegético, mas que se reconhece como homodiegético desde o inicio da narração), providos de graves defeitos físicos, têem uma mobilidade cada vez mais reduzida. Mas o corpo doente permite ao espírito agir mais livremente.
De se prenderem mais livremente, poderíamos acrescentar. O corpo torna-se assim objeto de reflexões irônicas e assunto da escrita. Nihil est in intellectu sed quod pria in sensu, era um dos adágios de Murphy e, com efeito, as personagens narradoras francófonas – sempre idosas – parecem surgir depois da experiência sensorial. Mas tornaram-se elas verdadeiramente autônomas? De forma alguma. Esse espírito “autônomo” não pode se impedir de falar do corpo, desse corpo que, não sendo mais jovem, é só sofrimento e precisões. Assim, Malone espera apenas a morte corporal: “Estarei enfim completamente morto”, diz ele no inicio da sua narração, mas ele está preso em seu corpo e não pode não deixar de falar.
Muito ironicamente, o lugar fechado, vedado para o mundo exterior, torna-se o próprio corpo. A célula do espírito. Como se a tradução, mais constrangedora, se tornasse, ela, o corpo do novo texto. Pois ela teria também a obrigação de um texto a “respeitar”. Mas essa dupla obrigação seria compensada pelo fato de permitir ao escritor-tradutor situar-se do ponto de vista privilegiado do observador que traduz e portanto interpreta suas sensações em dôbro. Assim, escrevendo numa língua estrangeira, o estilo se modifica. A escrita torna-se mais fluida graças à nova língua, adquire um humor não menos mordaz mas mais discreto, ela é mais austera – a austeridade endurecida pela ausência – ou quase – de histórias, e pelos lugares fechados da narração – o narrador torna-se homodiegético, mas se renega sem parar sublinhando a ambigüidade de sua subjetividade. O novo estilo é também a marca de um corpo textual em vias de transformação que se esboça em sua nova relação à “vivência corporal”.
Isso poderia então provar que o autor tinha necessidade de se afastar do que Spitz define como o “banho da fala” no qual o infans antes de aprender a língua se encontra imerso, e que o constitui enquanto sujeito. A língua estrangeira cria uma distância em relação ao momento da aprendizagem e portanto a essa fase que fora problemática para Beckett, ou seja “a re-criação do espaço fusional ou simbiótico que unia a mãe à criança”, segundo Anzieu. E a tradução? A tradução em sua língua materna permite então representar as falhas desse corpo ao mesmo tempo grotesco e impotente, mas igualmente miserável e fragmentado, pois ele foi exorcizado pelo distanciamento devido a língua estrangeira, a ironia e a citação.
Um exemplo desse procedimento se encontra num extrato de Molloy:

Car mes testicules à moi […] je n’avais plus envie d’en tirer quelque chose, mais j’avais plutôt envie de les voir disparaître, ces témoins à charge et décharge de ma longue mise en accusation14.

For from such testicles as mine […] there was nothing more to be squeezed, not a drop. So that non che la speme il desiderio, and I longed to see them gone, from the old stand where they bore false witness, for and against, in the lifelong charge against me15.



Vemos que, contrariamente à tendência das traduções de Beckett, esse trecho é mais longo na tradução inglesa do que na primeira versão francesa. Além disso, o inglês contém uma citação em italiano que produz um efeito de estranheza, menos evidente no texto francês. Da mesma maneira que Louis Wolfson que utilizava as línguas para apagar o som insuportável da língua materna, Beckett tenta aqui exorcizar as reminiscências corporais na língua estrangeira primeiro, pois ele escreve em francês e, em seguida, na tradução em inglês, graças a uma citação em língua estrangeira de Leopardi. Jogando com as sonoridades e as semelhanças e utilizando a ironia e ecos de cultura elevada, Beckett enobrece o corpo pela língua insistindo ao mesmo tempo na sua torpeza. Esse efeito é obtido freqüentemente pela associação de palavras mais ou menos vulgares às referências cultas. Aqui é a referencia a Voltaire que, em seu Dictionnaire philosophique, define os testículos como “pequenas testemunhas” que dá força e ambigüidade ao trecho na sua totalidade.
Entretanto, a tradução em inglês é problemática pois a referência a Voltaire é sem dúvida menos fácil a entender para um leitor anglófono. A citação de Leopardi, “non che la speme il desiderio”, não é portanto completamente anódina. A esperança (“speme”) e o desejo (“desiderio”) estão apagados, diz Leopardi. Esta frase é carregada de ambigüidade em Beckett e ela é evocada já no ensaio citado sobre Proust a respeito de uma sabedoria “que consiste não em ver o desejo satisfeito mas abolido16”. O corpo é posto à distancia primeiro pela língua estrangeira, depois pelo emprego da citação que cria uma confusão e para terminar graças à tradução, que aumenta a confusão. Beckett toma ao pé da letra as palavras de Proust, escrevendo sua obra em francês e em inglês e traduzindo-se cada vez de uma língua à outra. Assim, fazendo-o, ele utiliza um novo código, modificando seu estilo (o corpo do texto) e se afastando um pouco da “vivência corporal” (graças à ironia, às citações, ao jogo das línguas). Mas chega ele a “abolir” o corpo?
Poderíamos concluir deixando essa questão aberta pois se supusermos que a escrita de Beckett representa o homem, suas traduções são a metáfora do artista que cria, e para isso, as alusões constantes ao corpo remetem ao traumatismo do nascimento e da morte. Nascimento e morte do texto que será “expulso” para o exterior do universo fechado do artista e se tornará o objeto da risada do público. Um de seus textos ulteriores, A Piece of Monologue, escrito para o teatro começa assim: “Birth was the death of him […]”, que em francês se transforma em (Solo): “La naissance fut sa perte” [Seu nascimento foi o que o perdeu]. Aqui a tensão entre um corpo nascido e abolido (morto, perdido) é reiterado e reforçado pela diferença entre as duas versões, em inglês e em francês.


1 Traduzido por Inês Oseki-Dépré.

3 Samuel Beckett, Proust, trad. Edith Fournier (do inglês), Paris, Éditions de Minuit, 1990, p. 97.

4 Didier Anzieu, Le corps de l’Œuvre, Paris, NRF-Gallimard, 1981, p. 124.

5 Ibid., ver p. 90 et sq.

6 Ibid., p. 123. Anzieu recorda que o Superego é “não somente o enunciador dos interditos mais também o introdutor à ordem simbólica da qual a linguagem constitui o protótipo.”

7 Lembremos que para Beckett, o francês é a língua paterna, Bequet, de origem huguenote. Ver Alain Astro, “Le nom de Beckett”, in Critique à Samuel Beckett, Editions de Minuit, agosto-setembro, 1990.

8 Mas de que corpo se trata? (Trata-se do corpo recuperado na letra representado pelo estilo). Segundo Anzieu, “Uma primeira oposição se faz no interior da obra, entre a re-criaçao do espaço fusional ou simbiótico que unia a mãe à criança e a colocação da boa distancia (nem muito perto nem muito longe) para comunicar com o leitor segundo as normas do código comum. Uma segunda oposição diz respeito à estrutura do corpo em questão no estilo (e também na composição): mobilização ora de um corpo imaginário, objeto de investimentos narcisistas e pulsionais, ora de esquemas de natureza sensório-motriz experimentados no funcionamento do corpo real; daí uma tensão entre o figurativo e o operatório.” Anzieu, Le corps à l’œuvre, op. cit., p. 69.

9 Murphy, Paris, Éditions de Minuit, 1965, p. 196.

10 “O espírito de Murphy se imaginava como uma grande esfera côncava, fechada herméticamente ao universo exterior. […] Isso não arrastava Murphy para o asfalto idealista. Havia o fato mental e havia o fato físico. […] A distinção que ele fazia entre as presenças em ato e as presenças em potência de seu espírito, ele a fazia não entre o que existia de forma e o que informemente para isso tendia, mas entre aquilo de que ele tinha uma experiência e mental e física e aquilo de que ele tinha apenas uma experiência mental. Assim a forma de pontapé estava presente em ato, a da carícia em potência. […] Ele estava convencido de que não havia ação direta entre os dois (corpo e espírito). […] Fosse o que fosse, Murphy estava prestes a aceitar essa congruência parcial entre o mundo de seu espírito e o do seu corpo como resultante de uma determinação sobrenatural qualquer. O problema não apresentava grande interesse. Ele estava prestes a aceitar qualquer explicação que não se opusesse ao sentimento, cada vez mais forte à medida em que ele envelhecia, de que seu espírito estava fechado, uma desordem fechada, sujeito a nenhum principio de transformação, fora o seu, suficiente em si e impermeável às vicissitudes do corpo. […] Seu corpo se deitava cada vez mais, numa suspensão menos precária que a do sono, para sua própria comodidade e para que o espírito se movesse.” Traduzido do francês por Inês Oseki-Dépré.

11 Murphy, New York, Grove Press, 1957 (1937), p. 108-110.

12 “Ele estava prestes a aceitar qualquer explicação que não se opusesse ao sentimento, cada vez mais forte à medida em que ele envelhecia, de que seu espírito estava fechado, uma desordem fechada, sujeito a nenhum principio de transformação, fora o seu, suficiente em si e impermeável às vicissitudes do corpo.” Traduzido do francês por Inês Oseki-Dépré.

13 Ver o primeiro capítulo de Watt.

14 Samuel Beckett, Molloy, Paris, Les Éditions de Minuit, coll. “Double”, 1994 (1947).
“Pois com meus testículos próprios […] eu não tinha mais vontade de fazer alguma coisa , mas tinha antes vontade de vê-los desaparecer, essas testemunhas de acusação e de defesa no meu longo processo.” Tradução de Inês Oseki-Dépré.

15 Molloy, in Samuel Beckett, Molloy, Malone Dies, The Unnamable, Londres, Calder Publication, 1997, p. 36.

16 Samuel Beckett, Proust, op. cit., p. 29.


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- Auteur : Chiara Montini - Universidade de Provence.
- Titre : A tradução como exorcismo do corpo na escrita bilíngüe de Samuel Beckett
- Date de publication : 12-09-2011
- Publication : Revue Silène. Centre de recherches en littérature et poétique comparées de Paris Ouest-Nanterre-La Défense
- Adresse originale (URL) : http://www.revue-silene.comf/index.php?sp=comm&comm_id=64
- ISSN 2105-2816